Ensaio sobre Portugal, parte 2, Ideologia
Um homem que não acredita em nada, sem ideias, é uma pessoa sem rumo que pouco poderá fazer por si e que muito menos fará pelos outros. Os jovens deviam ter a ambição de serem pessoas cheias de crenças, mas ao invés constato que a tendência passa muito pelo inverso: as grandes preocupações da actualidade são a consensualidade, a aceitação, o estatuto. Deixem-se dizer-vos o que é que eu penso de pessoas consensuais: são desinteressantes, tipicamente nunca fizeram nada de jeito na vida e aborrecem-me muito, dão-me literalmente sono.
Para os mais novos fica aqui uma observação que tiro da vida, em jeito de conselho. As pessoas mais inteligentes que eu conheço fazem-se rodear por com quem mais discutem e de quem mais discordam em questões de fundo, tanto pessoal como profissionalmente. Mais rapidamente respeitam alguém de quem discordam veementemente do que alguém que se limita a concordar passivamente com eles. Peço-vos encarecidamente que não sejam consensuais nem tenham nunca essa meta na vossa vida, questionem tudo e todos, encham-se de convicções e lutem por elas, sejam corajosos.
Não sei bem como chegámos aqui mas entristece-me esta passividade generalizada em que vivemos e este certo défice de certezas e de ideias a que assisto. Perdoem-me a generalização, detesto fazê-lo e sei que não faltam excepções, felizmente conheço muitas, mas serve para ilustrar a teoria de que há indiscutivelmente uma crise ideológica nas gerações mais novas em Portugal.
Quando é que nas últimas décadas os pais se esqueceram de ensinar aos filhos que a vida ia ser difícil, que os deveres estão à frente dos direitos e que a educação, o trabalho, o espírito crítico, pensar, a paixão e a curiosidade são um milhão de vezes mais importantes do que o conforto ou a aceitação social? De onde é que apareceu este proteccionismo parental extremo que não faz mais do que colocar os seus descendentes numa permanente zona de conforto ilusória e que mais não os prepara para o futuro do que uma prisão domiciliária? Desde quando é que a independência, no seu sentido mais lato, deixou de ser uma das maiores ambições dos jovens?
Vivemos para satisfações imediatas. É tudo cuidadosamente orquestrado e desenhado para maximizar o prazer pelo tempo. Construímos um mundo cheio de opções, cheio de entretenimento, cheio de facilidades e recursos de lazer e de prazer em que o Santo Graal, mesmo que inconscientemente, é colocar-nos a todos num estado de permanente felicidade. Mas não há tal coisa, o “volte-face” evidente é que é que estamos a destruir o “Yin e o Yang“. Não é possível percebermos a felicidade sem sermos infelizes tal como não possível termos ocasiões de genuína satisfação, chamo-lhes momentos ZX Spectrum, sem trabalho nem sofrimento.
E é por isso que hoje, talvez mais do que nunca, a educação e os valores que transmitimos aos nossos filhos são tão importantes. São mais importantes do que eram na altura dos nossos pais porque o risco é muito maior. O menosprezo destes princípios é, na minha humilde opinião, a origem de muitos males modernos pois resulta num vazio ideológico grande que consequentemente leva ao desinteresse, à falta de curiosidade e de foco, à desvalorização do esforço, e ao inevitável falhanço dos jovens como pessoas adultas. Haverá coisa mais deprimente do que ver uma turma de alunos do ensino secundário completamente alheia e desinteressada por tudo e por todos? E no entanto é uma imagem que me é transmitida vezes sem conta por bons professores, daqueles que têm vocação e que gostam do que fazem e que se esforçam por marcar a diferença. Dá que pensar.
Não se assustem, isto vai melhorar. Faz tudo parte de um raciocínio para chegar às partes boas.
Antes: Parte 1.
A seguir: Parte 3, Sucesso.