Patentes de Software

Posted on May 31, 2005

Por circunstâncias essencialmente casuais hoje estive presente na conferência intitulada “Plano Tecnológico” promovida pelo Diário Económico no Pestana Palace Hotel em Lisboa. Tão casuais que não imaginei quando saí de casa que viesse a destacar-me (orgulhosamente, note-se) como o único desengravatado da audiência. Mas confesso que fui também com alguma dose de curiosidade ao encontro. Quando a bandeira de campanha do partido agora no governo é um “Choque Tecnológico” para salvar a economia do País, sendo a minha actividade profissional e os meus interesses pessoais fortemente ligados à tecnologia e à inovação e tendo eu acompanhado muito de perto estas guerras nos últimos dez anos de actividade sempre queria ver se hoje entendia como é que nos vão chocar. Mas não… A conferência foi do meu ponto de vista, e como já devem ter percebido pelo meu tom de discurso, uma feira de vaidade cheia de altas individualidades ligadas a instituições governamentais, empresariais e de ensino, num habitat mediático, formal, congestionado com fotógrafos, conselheiros, câmaras de televisão e equipas de reportagem. The works!

O painel a que assisti antes de ser salvo pela oportunidade que o primeiro coffee-break me deu para colocar o meu plano de fuga em acção foi composto por várias intervenções mais ou menos interessantes e das quais destaco positivamente as da pequena empresa Critical Software de Coimbra sobre gestão da Inovação e a da PT sobre a penetração da Banda Larga em Portugal (obstáculos e ferramentas para os ultrapassar) e negativamente pela da do Ministro Manuel Pinho que se limitou a ler um discurso cuidadosamente escrito, nitidamente revisto e revisto e aprovado e consequentemente inócuo e vago (vamos mesmo ter que esperar até ao final do ano para perceber o que é o CT) e o da Microsoft pelo Director Geral João Paulo Girbal que me motivou a escrever esta desabafo.

Talvez o estatuto de patrocinador do evento e a excelente oportunidade que os estrategos da Microsoft viram na audiência deste Fórum tenham dado a esta empresa a suposta legitimidade de terem a distinta lata de virem para o encontro falar de Patentes de Software.

Eu tenho sido um espectador com opinião formada mas relativamente passivo em relação à discussão Mundial e Europeia sobre a questão da Lei das Patentes mas esta apresentação tirou-me do sério.

Foi dito por este senhor, palavra por palavra que “a chave do sucesso para o crescimento da economia das TIs é acima de tudo termos uma cultura de protecção da propriedade intelectual e industrial“, leia-se a salvação, a solução para todos os nossos problemas e a condição absoluta para que haja crescimento.

Estes senhores da Microsoft só podem andar desorientados e cegos pela decadência em que se encontram hoje e pela péssima imagem que construíram de si mesmos ao longo dos últimos anos de arrogância e de abuso da posição dominante que têm.

É perfeitamente compreensível que as Patentes sejam extremamente importantes para a Microsoft. Vejamos:

  1. O Linux foi desprezado e ganhou com naturalidade uma quota de mercado invejável nos servidores acabando por contar com apoios forte por parte de gigantes como a IBM, a Sun e a HP. Hoje, tardiamente, a Microsoft reconhece a existência do Linux e recorre aos habituais esquemas de propaganda e publicidade enganosa para denegrir as mais valias do recém-afinal-forte-concorrente.

  2. Os modelos de software aberto foram durante anos ignorados, recalcados e conotados como maus para a economia digital pela Microsoft. O Linux é o que é, o Apache, o Openoffice, PHP, Perl, KDE, Evolution, Mysql, Postgres, Asterisk, Ser, JBoss. O governo Brasileiro abraça o software livre, faz do País um case-study mundial. Muitos outros imitam ou desencadeiam iniciativas semelhantes. Sem hipóteses de se debater no plano tecnológico a Microsoft só pode basear a sua contra-argumentação em difamação, comparações compradas de RoIs e TCOs de Linux vs Windows e outras que mais.

  3. Hoje qualquer empresa, desde as mais grandes (incluindo aquela aonde trabalho) às mais pequenas, pode hoje assentar a sua existência tecnológica em plataformas completamente abertas, quer para as exigências mais mundanas quer para as aplicações mais críticas. Mas acima de tudo o mais importante é que pode optar. É a capacidade de poder optar, de se poder desprender de uma rede viciada de interesses, obrigações, dependências e de não se vincular que mais ameaça o modelo de negócio e forma de estar da Microsoft.

Acresce que:

  1. A Apple dá lições à Microsoft no mercado dos desktops. Lança um sistema operativo MacOSX baseado em BSD completamente revolucionário e tecnologicamente uma geração à frente de qualquer flavour de Windows (incluindo um Longhorn constantemente mutilado e adiado para 2006) fortemente apoiado pelas comunidades opensource e cria um movimento surpreendente e crescente de culto aos seus produtos. O trio iPod/iTunes/MacMini representam a cumplicidade perfeita entre o melhor produto, o melhor serviço que o complementa e a melhor oportunidade para mudar de Windows para MacOSX sem grandes riscos (custos).

  2. A Sony arrasa com a bombástica PS3 e diminui à condição de vulgar a apresentação da XBox 360 em menos de 24 horas.

As patentes de software são provavelmente uma das últimas armas de combate que a Microsoft poderá ter para liquidar pela via legal e pela via do descrédito as suas grandes ameaças e prosseguir o seu rumo tradicional sem uma necessidade profunda de mudança cultural, mudança de atitude e mudança de modelos de negócio. Mudanças essas que seriam profundamente dispendiosas e muito pouco atractivas para a maior empresa do mundo. É perfeitamente compreensível como disse.

Agora ter o desplante de misturar inovação, crescimento, competência e diferenciação do País com o polémico, delicado e muito político tema das patentes, sob o pretexto de que a Microsoft gasta fortunas em I&D e que se precisa de proteger (who cares??), colocar a existência das mesmas ao nível do sucesso da economia Portuguesa. Hajam mínimos de decência e bom senso.

Algumas posições/links sobre Patentes de Software:

Faz-se tarde, vou dormir.