Uma década, 10 coisas que desapareceram

Posted on Jan 2, 2010

Tenho o arquivo de E-mail bem organizado desde o ano 2000, são já 44Gbytes, antes disso infelizmente tenho pouco, ou porque o perdi ou porque está disperso. Este é um exercício que me parece saudável e interessante de fazer no dia 1 de Janeiro de 2010. Baseando-me apenas na minha INBOX e na minha actividade em 2000, qual era a realidade da Internet há exactamente uma década em 10 pontos?

Motor de pesquisa nacional

O SAPO, na altura a dar os primeiros passos como Portal era ainda visto como o grande motor de pesquisa nacional em Portugal e fez em ’99 um acordo com o Google para o fornecimento de resultados de pesquisas na Web, um dos primeiros no mundo, numa altura em que Sergey e Larry eram perfeitos desconhecidos e ninguém dava nada pelo novo projecto de garagem de Stanford, muito antes do IPO em 2004, quando o “Don’t be evil” ainda tinha um significado genuíno e quando o nosso interlocutor “vivia” no centro da engenharia da então pequena empresa e trocávamos emails sobre “null pointers” e funções de C. Poucas pessoas se recordarão do agora gigante, nesta altura. Hoje já não somos parceiros, a nossa relação terminou há um par de anos, e ainda é cedo para falar disto, mas foi uma viagem interessante e a perspectiva que ganhámos deu-nos muita sabedoria.

Telepac, Esotérica, Netc

O tráfego de acesso por ISPs ao Portal incluía nomes como Telepac, Netc, Esotérica, Teleweb, IP Global e Oni. O Dialup era rei e 56Kbit/s era a velocidade de ferrari dos modems. O advento da massificação da Banda Larga, do Cabo e do ADSL viria apenas uns 2 anos mais tarde. Os utilizadores toleravam tempos de carregamento das páginas superiores a 10 segundos. Não havia Bittorrents ou protocolos de peer to peer. Vídeo embedded numa página Web era um luxo que a maior parte dos utilizadores não conseguiria sequer ver. Não havia FLV nem um player de Flash instalado em cada computador e o Netscape Navigator ainda tinha 20% de browser share.

UUencoding

Receber emails com “attachs” uuencoded inline, sem MIME, (lembram-se do “begin 600″ ?) era ainda perfeitamente natural. A incompatibilidade entre “clients” de E-Mail era uma dura realidade sem uma luz ao fundo do túnel, tal como era um sarilho todo o tema dos charsets e UTF8. Não conseguir abrir um attach, ler um E-mail com os caracteres todos atrofiados ou sem acentos era o pão nosso de cada dia. O meu client de E-mail da altura era o Mutt 0.93.2i, um dos melhores da altura para o nerd como eu. Uma rápida análise ao header X-Mailer do arquivo desse ano mostra outros programas como Pegasus Mail, Outlook Express 4, XFMail, Balsa, Lotus Notes, KMail 1.1, Mozilla Mail (O Thunderbird só chegaria em 2003). Um dos gestores de listas mais usados da altura era o Majordomo

Milenar

Havia uma empresa chamada Milenar que era basicamente o spammer nacional, perdão, líder de soluções de e-Marketing, numa altura em que a legislação sobre troca de mensagens, respeito pela privacidade online e o opt-out eram apenas miragens de uma Internet que viria. Apesar de tudo o Spam era um fenómeno recente e ainda não era visto como um grande problema, tanto que uma grande parte dos “relays” de Mail estavam abertos por omissão e as RBLs ou softwares de Anti-spam praticamente não existiam, para os utilizadores mais experientes o tema resolvia-se com filtros.

Digito, Cusco, Gildot

A Dígito era o Website de tecnologia em Portugal por excelência (archive.org) e o Gildot fazia as delícias dos geeks veteranos de hoje com uma fórmula de sucesso que oscilava entre a informação hard-core, um certo elitismo, um certo culto, uma certa irreverência e muita má língua. O mail.pt era das principais plataformas de E-mail em Portugal, projecto que tive o prazer de lançar com uma série de amigos uns anos antes, e do qual me acabei por afastar. O Cusco (archive.org) era ainda um motor de busca alternativo em Portugal.

Dreamcast

A Dreamcast era a consola do momento e entrou a matar em Portugal, e preparava uma comunidade de gaming online, via Dialup, chamada Dreamarena que nunca vingou, nem o serviço nem o hardware, a Playstation 2 matou o sonho uns meses mais tarde. O portátil da moda era, por exemplo, um Toshiba Portege 3110 e um desktop era, por exemplo também, um HP Vectra VEi8 P650 com um disco de 8.4GB e 64MB de RAM. E um servidor frontend de topo era um Compaq DL360. O meu ambiente de trabalho no desktop era Linux, Debian, Gnome, X11 e Sawfish e trocavam-se configurações XF86Config entre colegas na esperança de conseguir fazer o driver X funcionar em pleno com o hardware Y, triste.

Web scripting

Javascript era uma coisa obscura, até mesmo meio detestada pelos puristas da Web e dos standards, uma espécie de fita-cola utilizada pelos Webdesigners para fazer botões com duas posições ou menus dinâmicos, algo a abater. Ainda mais era erradamente conotada como o Java, o que provocava ainda mais anticorpos. Definitivamente ainda estávamos longe do XHR e do Ajax, ou de antever que se tornaria no grande motor da Web dinâmica e da Internet moderna, possivelmente até mais do que isso.

WAP

WAP era a tecnologia quente do momento no móvel. Rios e rios de dinheiro e tempo se gastaram em lentos e retrógrados portais WAP que ninguém usava, nem então nem nunca. Já se falava muito em dados móveis (GPRS) e em serviços e conteúdos “killer” para esta plataforma. Em 2000 terá sido talvez o primeiro ano em que se disse “este vai ser o ano do móvel!”, afirmação que se repetiu ano após ano, até 2009. Ridículo pois todos sabem que em 2010 é que o móvel vai explodir.

Pop-ups

Começou a praga dos POP-UPs na publicidade (mais uma razão para odiar Javascript nessa altura). Usabilidade para a Web era um conceito completamente desconhecido para a vasta maioria dos projectos existentes. Criaram-se definições para banners como Skyscrapper, Leaderboard ou Intersticial. Apareceu o IAB para meter algumas normas e regras no negócio. O Yahoo! era inquestionavelmente o líder da Internet no mundo com um modelo de negócio vencedor baseado em publicidade gráfica e com receitas que cresciam exponencialmente, ano após ano. Não existia publicidade contextualizada nem Adwords.

Pre-Web 2.0

Não havia Web 2.0 nem social networks na Internet, não com a definição que conhecemos hoje. Não havia Hi5, Facebook ou Twitter. Mal havia Instant Messaging, dizia-se que ia ser o “the next big thing” e que iria substituir o E-Mail, e o SAPO instalou o seu primeiro servidor de Jabber. O IRC e a PTNet que ajudei a montar quando ainda estava na UA ainda existiam como forma relevante de comunicação em grupo mas já não era a ferramenta que os novos utilizadores da Internet usavam, já era uma comunidade desligada da realidade, quase underground. Os Forums Web e os WebChats ganhavam alguma expressão. Salvo raras excepções, praticamente não existiam Blogs, perdão Web logs, haviam sim Homepages pessoais.