O Leilão 73, ou o que realmente me interessa sobre DTV

Posted on Jan 6, 2008

Esta é a minha visão sobre toda esta história da televisão terreste em Portugal e na Europa. Espero contribuir com alguma informação e lucidez, mesmo que em alguns pontos seja apenas a minha opinião, que vale o que vale, claro seja.A televisão digital terreste (TDT, ou DTT) é uma uma plataforma de difusão digital do sinal de televisão e vai substituir as actuais emissões analógicas. Algumas das vantagens mais claras e directas para o consumidor são uma melhor qualidade da imagem e de serviço, a possibilidade de ter canais em HD, mais canais, dispensa a antena no telhado (o equipamento terminal e receptor pode estar todo dentro de casa, até pode ser uma coisa destas).Mas a DTT é também, e acima de tudo, um passo gigante no que diz respeito a aproveitar melhor os recursos radioeléctricos, vulgo espectro, uma vez que é possível ter mais canais de televisão e com mais qualidade, utilizando menos gamas de frequências do que a plataforma analógica. Com esta transição vai-se libertar muito espectro. Estas frequências que vão ficar livres são muito valiosas porque são “premium”, têm muita capacidade de propagação e conseguem entrar bem dentro das casas e dos edifícios. Mais sobre isto à frente.O switch-off da televisão analógica em Portugal e na Europa está previsto para 2012, 3 anos depois dos E.U.A. A data foi estabelecida pela comissão Europeia para todos os países membros. Até lá terá que ocorrer a transição para digital em que se prevê também um periodo de adaptação dos consumidores às novas ofertas de TDT Freeview ou pagas (ie: aquisição de setop boxes  ou aparelhos adaptadores, começou agora nos E.U.A.). 

Portugal encontra-se particularmente atrasado neste processo de transição. A título de exemplo o Reino Unido já tem  quase 80% do país coberto com DTT, e a Espanha, França, Itália, Suiça, Alemanha, Áustria, Grécia, entre outros, todos já têm ofertas DTT. Portugal não só ainda não tem DTT como ainda nem sequer existem licenças atribuidas. Os  modelos de negócio difíceis, a sobrevivência dos actuais canais generalistas, e os níveis elevados de penetração do Cabo e “pay tv” em Portugal têm sido alguns dos entraves, entre outros.

No último Congresso das Comunicações em 2007, promovido pela APDC, a televisão digital terreste foi o tema central. No dia 3 de Janeiro de 2008 o conselho de Ministros aprovou um diploma que delibera a abertura de um concurso (o primeiro de dois) para DTT “free view” e a criação de um 5º canal generalista aberto em Portugal. Infelizmente pouco mais adianta em relação ao futuro.

E.U.A., Whitespace e a “White Spaces Coalition”

O whitespace em telecomunicações refere-se a frequências de rádio que não estão a ser utilizadas, e que portanto estão livres.  Os sinais de televisão analógica funcionam entre os 54 Mhz e os 698 Mhz. No entanto, nem todos os canais do  espectro (2 a 51) vão ser utilizados pela DTT. Os canais não utilizados vão ser o whitespace.

A “White Spaces Coalition” são 8 grandes empresas de tecnologia, entre as quais a Microsoft, o Google, a Dell, a HP e a Intel, que fizeram um consórcio e que estão interessadas em desenvolver  tecnologia para oferecer Internet de Banda Larga aos consumidores utilizando rádio e as frequências livres da televisão analógica, cujas licenças estão a caducar ou os proprietários a libertar. O consórcio acredita poder fazer ofertas de banda larga superiores a 10 Mbytes/s, ou até 100Mbytes/s para distâncias curtas.  Isto é equivalente a cerca de 80Mbit/s, muito acima daquilo que o DSL ou o HSDPA dão neste momento e muito próximo do que se consegue actualmente com Cabo ou Fibra, mais do que suficiente para suportar serviços muito exigentes e conteúdos de alta qualidade, sobre IP.

O whitespace pode ser diferente de uma localização para a outra e os operadores podem competir nas mesmas zonas e em canais diferentes. O equipamento terminal de acesso deverá ser capaz  de ser adaptar ao local aonde se encontra e de gerir ?inteligentemente? a disponibilidade de serviço e a não interferência com os serviços digitais de televisão que funcionam nas bandas adjacentes usando técnicas de “Cognitive Radio“.

A Microsoft já demonstrou à FCC um protótipo a funcionar e já submeteu um aparelho para aprovação. Uma das normas que está em cima da mesa é a 808.22 e está a ser trabalhada pela ?IEEE 802 LAN/MAN Standards Committee 802.22 WG on WRANs (Wireless Regional Area Networks)?.

Por razões óbvias, muitos produtores e broadcasters de TV nos E.U.A., são contra a partilha do espectro de TV com os operadores de banda larga alegando que a tecnologia não funciona ou que apresenta riscos muito grandes para o serviço público aberto de televisão. Muito F.U.D. e lobby ao barulho. Ver próximo tópico.

DTT versus Internet

Aqui reside um grande dilema e um grande desafio também. A pergunta recorrente da malta das tecnologias é: Quem é que precisa da televisão quando temos a Internet?

E embora a pergunta pareça elitista e pareça ignorar o resto do mundo, os que não têm Internet, nem “pay tv”, porque não podem ter, e que têm o direito ao serviço universal de televisão e ao acesso à informação, ela não deixa de ser pertinente. Vejamos:

  1. As taxas de penetração acesso à Internet continuam a crescer.
  2. As velocidades continuam a aumentar e os custos de acesso a descer. Ditto para os computadores.
  3. O gap tecnológico das gerações começa a desaparecer.
  4. Youtube, só para dar um exemplo, provou (e depois, muitos outros) que é possível usar a Internet como uma plataforma de broadcast. Os testes com H.264 e vídeo HD já começaram, a prever o aumento da largura de banda a testar a Internet com qualidades de televisão e DVD.
  5. Os anunciantes, que suportam a televisão e a maior parte da Internet, continuam a investir cada vez mais na Internet (sendo que os budgets não crescem e portanto há meios a perderem, incluindo a televisão).

E sim, eu e muitos amigos meus, temos já padrões de comportamento com a televisão que devem ser suficientes para fazer tocar sirenes e buzinas nas SIC, TVIs e RTPs da vida.

E como dizia um amigo meu no outro dia em conversa, uma pessoa que muito admiro pela sua inteligência e visão, neste grande ecosistema só há duas entidades com verdadeiro valor: os produtores de conteúdos e os consumidores, tudo o resto é um mar de porcaria (ele usou outra palavra), muito risco e algum oportunismo. Pensem nisto. A greve dos guionistas nos E.U.A. congelou praticamente todas as séries de televisão no mundo.

Os consumidores estão-se a borrifar para a plataforma de que lhe entrega os conteúdos, as séries, o futebol, as notícias ou as novelas, só querem bons preços, comodidade e qualidade. Se é a televisão ou a Internet que nos dá isto, é indiferente. E os produtores de conteúdos, da mesma forma, só querem vender mais. Seja lá televisão, DVDs, Internet ou o que quer que seja que os distribui. Tudo o resto pode ser manipulado e camuflado para gerar valor no tal mar dos intermediários (e alguns parecem ter encontrado sucesso aqui, veja-se a Apple e o iTunes/iPod), mas no fim do dia quem vão mandar são os polos.

Portanto a resposta daqui a uns anos deve estar algures entre ninguém e todos aqueles cujas novas ofertas de acesso e tecnologia não conseguiram migrar. Espero que não sejam muitos.

O Leilão 73

Se não perdi nada, nas próximas semanas começa nos E.U.A. um dos leilões mais emblemáticos da era em que vivemos, o leilão 73 da FCC. Em jogo está o licenciamento da faixa dos 700Mhz a ser utilizada por operadores móveis para serviços de voz e de dados. E isto é importante porquê? Por vários motivos:

  1. Primeiro porque entre muitos (mais de 260 organizações anunciaram a intenção de participar no leilão), o Google é um dos bidders. Sim, o Google decidiu que quer ser um operador móvel e vai lutar pela licença com gigantes como a AT&T, Verizon e, pasmem-se, o gigante do petróleo Chevron USA.
  2. Segundo, porque depois de muito lobby e da formação do consórcio “Coalition for 4G in America“ (que inclui empresas com o Google, o Yahoo! e a Skype) e de uma agressiva troca de galhardetes entre a Verizon e o Google por causa das regras dos leilões da FCC, esta acabou por determinar que os bidders devem obedecer para ganhar o concurso. Nomeadamente que os utilizadores dos serviços prestados nessa banda tenham o direito de fazer download de qualquer tipo de software e aplicações que queiram e que possam utilizar qualquer terminal de qualquer operador sem restrições. Uma rede verdadeiramente aberta que potencia novos mercados, sem lock-ins para o consumidor. 
  3. Porque na sequência desta “peixeirada” toda, no dia 27 de Novembro a Verizon Wireless, o maior operador móvel dos E.U.A. anunciou que vai permitir aos utilizadores trazerem o seu equipamento e utilizarem as suas aplicações dentro da sua rede já no início de 2008, depois de em Setembro ter recorrido aos tribunais como forma de oposição às novas regras da FCC para este leilão. Os analistas ?caram em choque e cépticos ao mesmo tempo. 

Portanto o leilão 73, independentemente de quem o ganhe, já é simbólico porque representa a vitória dos consumidores. E o Google e outros grandes portais mundiais também já ganharam. Uma das maiores ameaças para o Google (e já agora para todos nós) numa era em que vão inevitavelmente surgir novas formas de acesso à Internet e nova plataformas no mundo móvel, é a de perder a guerra da Network Neutrality  que para já está controlada no fixo e no PC mas que no móvel, aonde os paradigmas e os modelos de negócio são outros, é um filme completamente diferente. Este tema daria outro post.

O 5º canal de televisão

Jà muito foi dito sobre o 5º canal de televisão aberto. Pinto Balsemão já disse e defende que o novo canal deve ser gerido pelos 3 operadores (RTP, SIC e TVI) já existentes.Isto cheira-me a uma situação de “uma no cravo, outra na ferradura”. O governo autoriza a criação de um 5º canal aberto e em HD (benefício claro para os consumidores) mas este acabará por ser gerido pelos actuais incumbentes quase como forma de compensação pelas perdas: baixa dos preços da publicidade e das receitas. E para a TV Cabo, que entre o Cabo e o Satélite tem uma cobertura avassaladora de assinaturas  a TDT também não boas notícias, não é com surpresa que a PT Multimedia também esteja a ponderar participar nesse 5º canal.Eu consigo perceber cenários de compensação mas tenho alguma dificuldade em encaixar a necessidade de ter um 5º canal só por causa disso. Vamos ver como é que isto tudo se desenvolve. Ah, e aonde é que estão os conteúdos (e em HD) para um 5º canal aberto?Em sumaA TDT é bem vinda e já vem tarde. Mas o que mais me fascina não é o serviço de televisão mas sim as possibilidades e os serviços que o fim da televisão analógica pode trazer.No que diz respeito à TV, pessoalmente e apesar de compreender a questão do serviço público e universal, não vejo vantagem nenhuma na transição que não tenha já com a Internet. Em relação ao 5º canal, tenho muita dificuldade nesta fase em perceber-lo. Mas vendo bem, também tenho dificuldade em perceber os outros 4. Já só consumo algumas notícias e uns jogos de futebol ocasionais mesmo. Por isso não represento a audiência, ainda.Na minha opinião a Internet é uma plataforma muito mais apetecível do que a TDT especialmente quando a largura de banda aumentar drasticamente. E vai aumentar.

Infelizmente a Europa parece-me estar a comprar um atraso de 3 anos em relação aos E.U.A. e, digo eu, habilita-se com isto a perder o status quo que tem no mundo móvel, em que os E.U.A. estão na idade das trevas (ver foto). Plus, isto da Europa é para o bem e para o mal. Um País como o nosso, que inventou o Multibanco (ou quase vá), o Pré-pago e a Via Verde, e que tem taxas de penetração de telemóveis muito superiores a 100%, teria aqui uma oportunidade de surpreender e inovar. Mas nesta matéria é melhor irmos berrar para Bruxelas porque é de lá que virão as ordens.De qualquer forma, vai ser fascinante ver o que acontece nos E.U.A. nos próximos tempos e em que medida é que esses acontecimentos vão influenciar o resto do mundo e a Internet em particular. Se a WSC consegue consegue convencer o senado e a FCC, se o Google se torna num operador móvel e fecha o ciclo, e acima de tudo, em que medida é que os consumidores vão sair beneficiados com tudo isto que vai acontecer.E é isto que penso sobre a televisão digital terreste.Ironicamente, este post foi escrito a ver e ouvir o maravilhoso vídeo Scotch Mist que os Radiohead fizeram para o fim de ano na Internet, na minha sala no LCD grande com uma AppleTV.